Aço importado pressiona usinas e divide setores
Aço importado pressiona usinas e divide setores
As siderúrgicas brasileiras vivem um dos momentos mais delicados das últimas décadas. A entrada maciça de aço importado, sobretudo da China, somada às tarifas nos Estados Unidos, a incertezas geopolíticas e à demanda interna fraca, ameaça novos investimentos e coloca em xeque a sustentabilidade da indústria no Brasil. Empresas como Gerdau e Usiminas já anunciaram cortes em desembolsos, e a ArcelorMittal admite que projetos em estudo podem sofrer atrasos diante do cenário desfavorável.
Ao mesmo tempo, seus grandes clientes temem ter de pagar mais caro pelo aço dentro do país. Setores que dependem do insumo, como construção civil, automotivo e de máquinas e equipamentos, por exemplo, ajudam a puxar a demanda, mas demonstram preocupação com os custos que medidas protecionistas podem gerar.
O governo já reconheceu que há um desafio setorial e, além da cota-tarifa, iniciou uma investigação antidumping, a maior já aberta, sobre 25 produtos de aço importados da China. A ArcelorMittal, que conduz um ciclo de investimentos de R$ 25 bilhões até 2026, avalia que as medidas ainda não surtiram o efeito desejado e diz que novos investimentos em estudo dependerão de medidas de defesa comercial.
“Temos apetite de continuar investindo no Brasil, mas o risco deste futuro é a condição de importação”, afirmou Jorge Oliveira, presidente da ArcelorMittal Brasil, durante evento do setor nesta terça-feira (26).
Oliveira destacou que a trajetória atual das importações repete o movimento já observado na Europa. “Se pegarmos 20 anos pré-covid, a penetração de importação era de 10%, com volume de 2,2 milhões de toneladas. O ritmo deste ano está em 6,3 milhões. Em termos de volume, dá 200%. Da China, 330%”, afirmou.
“As investigações sobre laminados a frio e galvanizados já têm um dano declarado pelo governo. Agora, precisamos de celeridade”, afirmou Oliveira. Para ele, o debate central com as autoridades deve girar em torno da defesa comercial, considerada condição essencial para garantir a manutenção e expansão dos investimentos.
Na Gerdau, o tom é de alerta. André Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração, afirmou que a siderurgia nacional vive “o ano mais conturbado” de sua história recente. Segundo ele, a penetração do aço importado, que era de 10% há alguns anos, hoje está em 22% a 25% do mercado interno. O executivo destacou ainda que a indústria opera com 35% de ociosidade, quase o dobro do considerado saudável, e alertou para risco de “quase insustentabilidade” do setor.
Johannpeter reforçou que a cadeia produtiva do aço no Brasil está em risco de desmobilização. “Estamos chegando ao limite. Reduzir mais a atividade tornará o negócio inviável. O sistema de cotas-tarifa ajudou, mas não resolveu o problema”, completou.
Eduardo Fischer, CEO da incorporadora MRV, reconhece que a elevação de barreiras encarece insumos essenciais à construção civil, mas destaca a importância de uma indústria nacional que também seja forte o suficiente para dar suporte para outros segmentos industriais do Brasil, sem estar totalmente nas mãos das cadeias produtivas asiáticas.
“No fim, a hora que o produto encarece no mercado de forma geral, é pior para a indústria da construção. Mas nosso setor é de longo prazo, e precisamos também de uma siderurgia nacional robusta”, afirmou.
A entrada de produtos chineses já se espalhou para outros segmentos, como o automobilístico, que agora também vê seu mercado ser atingido pela ascensão das montadoras asiáticas. Também preocupa à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) a imposição, pelos Estados Unidos, de tarifas de importação de aço e alumínio, que poderiam causar uma reconfiguração da produção das montadoras.
O vice-presidente da Anfavea e executivo da Stellantis, Antônio Sérgio Martins Mello, evita o embate direto e destaca a necessidade de estabilidade na cadeia de fornecimento.
O cenário se agrava com as tarifas impostas pelo presidente americano Donald Trump, de 50% sobre produtos brasileiros, o que pode gerar desvio de rota e a entrada ainda maior no mercado doméstico de produtos siderúrgicos subsidiados.
Na análise de Christopher Garman, diretor da Eurasia Group, o protecionismo americano tem raízes profundas e está ancorado em fatores políticos, econômicos e geopolíticos. Ele prevê, no entanto, que os EUA podem flexibilizar algumas barreiras nos próximos meses, embora não haja sinais imediatos de mudanças em relação ao Brasil.
O executivo lembrou que o nível tarifário médio nos EUA, historicamente de 2%, saltou para cerca de 18%. Embora a Casa Branca celebre essa postura de força, “essa conta vai chegar” para o consumidor, alertou. Outro fator de pressão é a depreciação de 10% do dólar, que aumenta o custo de importados e eleva os preços ao consumidor.
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 27/08/2025