Cenário de guerra tarifária é propício para Brasil buscar acordos e desenvolver relações com a China

Cenário de guerra tarifária é propício para Brasil buscar acordos e desenvolver relações com a China

O quadro de guerra tarifária, ataques ao multilateralismo e isolacionismo dos Estados Unidos é propício para o Brasil impulsionar o investimento e o desenvolvimento em suas relações com a China, sugerem especialistas.

— Assim como a China, a Coreia do Sul e outros países que estejam querendo resistir à postura anti-integracao em vigor em parte do mundo, o Brasil deveria promover acordos de comércio e de integração via investimentos — recomenda Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial, hoje no instituto Policy Center for the New South. — Isso poderia ser mais benéfico quanto mais geral fosse a integração comercial brasileira. Gostaria de ver mais acordos como o do Mercosul com a União Europeia. O ideal é que isso que ocorra com a China e outros países, não só a China — sustenta Canuto, que na década passada supervisionou a equipe de técnicos do Banco Mundial na elaboração do relatório “China 2030 – construindo uma sociedade moderna, harmoniosa e criativa” com um think tank ligado ao Partido Comunista da China.

Destacando que mais de 70% das exportações do Brasil para a China compreendem soja, minério de ferro e petróleo, enquanto o país compra manufaturas chinesas de maior valor agregado, a professora de Relações Internacionais Ana Tereza Marra de Sousa, da Universidade Federal do Grande ABC, adverte que tal “assimetria” pode se agravar em razão da guerra comercial.

— A questão não é o que deve ser feito para incrementar o intercâmbio, mas o que pode ser feito para que esse intercâmbio consiga, do ponto de vista dos objetivos brasileiros, contribuir melhor para o desenvolvimento industrial e tecnológico —diz a professora, que integra o Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil da UFABC e da Rede Brasileira de Estudos da China (RBChina).

A representante da Bradesco Asset no Conselho Brasil-China, a economista Fabiana D’Altri observa que relações comerciais costumam possibilitar relações de investimento e que o Brasil já há algum tempo trabalha nesse sentido.

— Os acordos assinados ao longo dos últimos anos são focados no aumento da presença de empresas chinesas no Brasil, em diversos segmentos. Há muitos acordos de cooperação em áreas como saúde, tecnologia, finanças. O próximo capítulo da relação comercial está muito mais atrelado à relação de investimento do que acordos por si só — afirma D’Altri, citando como exemplos celulares e carros elétricos, cuja importação inicial está sendo seguida da instalação de fábricas e montadoras.

Mais voz e propostas

Quanto aos acordos firmados desde 2023 nas visitas dos presidentes do Brasil e da China, o Ministério da Indústria, Desenvolvimento, Comércio e Serviços enfatizou que os dois países têm como foco os setores de mineração, energia, indústria da transformação e alta tecnologia.

Sousa aponta como o acordo mais importante o Plano de Cooperação para o Estabelecimento de Sinergias entre Brasil e China, assinado no ano passado:

— Tal plano visa fomentar as discussões e acordos entre os países tendo em vista, do lado do Brasil, o Novo PAC, o Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica e o Programa de Rotas da Integração Sul-Americana e, do lado da China, a Iniciativa do Cinturão e da Rota. O plano prevê que os países identifiquem projetos de interesse comum.

A economista da Bradesco Asset ressalta o trabalho da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação – Cosban, criada durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, em maio de 2004. Chefiada pelo vice-presidente do Brasil e pelo vice-primeiro-ministro da China, a Cosban promove, a cada dois anos, contatos entre representantes dos dois países, diz D’Altri:

— Ao longo dos anos o Brasil começou a ter mais voz e proposição, ou fazer imposições ou contrapontos ao que a China estava colocando na mesa, para que a negociação resultasse num ganha-ganha.

Fonte: O Globo
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 09/05/2025