Como as diferentes indústrias receberam a imposição de cotas para importação de aço

Como as diferentes indústrias receberam a imposição de cotas para importação de aço

A decisão do Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de estabelecer cota para as importações de nove tipos de produtos de aço e alíquota de 25% sobre os volumes que excederem o autorizado foi bem recebida pela indústria siderúrgica brasileira e por setores consumidores de aço. Em linhas gerais, e dos dois lados da balança, a leitura inicial é que as novas regras, anunciadas na semana passada, são equilibradas.

Para o Instituto Aço Brasil, a decisão demonstra o olhar atento do governo para a indústria siderúrgica brasileira, segundo o presidente executivo Marco Polo de Mello Lopes. “É uma decisão histórica e importante, porque sinaliza aos exportadores que o mercado brasileiro não é terra de ninguém, que há um governo atento ao que está acontecendo, com um olho no sentido de proteger sua indústria”, disse.

Em seu pedido de elevação do imposto de importação, de 10,8% a 12,6% para 25%, o Aço Brasil levou ao Mdic uma lista com 18 NCMs com a ocorrência de importações crescentes a preços predatórios. O modelo de cota-tarifa, lembrou Marco Polo, já é usado em outras regiões, como a União Europeia, e sua efetividade vai depender, agora, de como será operacionalizado.

“O detalhe da sistemática ainda não é conhecido e há nuances que precisamos entender melhor”, afirmou. “Mas o governo tem consciência dos prejuízos e agora é uma questão de operacionalizar”.

Para o presidente da ArcelorMittal Brasil e presidente do conselho do Instituto Aço Brasil, Jefferson De Paula, a decisão representa um avanço importante e indica que o governo brasileiro entendeu que o aço importado em condições desleais está provocando danos no mercado doméstico.

A expectativa é que as medidas, válidas por um ano, entrem em vigor em um mês. Ficou acertado, entre governo e usinas instaladas no país, que haverá monitoramento contínuo da medida, para confirmar se a iniciativa teve eficácia. Se não houver resultados, ela poderá ser revista.

Conforme De Paula, um dos principais riscos é que os exportadores tentem driblar a lista de NCMs sob a novas regras, embarcando para o mercado brasileiro produtos similares que estão registrados em outra NCM — sigla para Nomenclatura Comum do Mercosul, usada para identificar a mercadoria que está sendo comercializada —, que não está sujeita à cota.

“Levamos ao governo 26 NCMs que podem ser usadas como NCMs de fuga”, contou. Um possível desvio, exemplificou, seria o exportador de fio-máquina (que deve atender à novas regras) passar a embarcar para o Brasil vergalhões, que não foram contemplados na medida. “Isso vai ser monitorado pelo governo e pelo Aço Brasil”, acrescentou.

Conforme De Paula, a medida busca proteger o mercado doméstico da inundação de aço importado subsidiado, um reflexo da sobrecapacidade global de 500 milhões de toneladas neste momento, acompanhando o que outros países, entre os quais Estados Unidos, México e Chile, além da União Europeia, já fizeram. “Não é uma medida contra a China. É contra todo aço que chega em condições desleais de concorrência”, disse.

Maior produtora global de aço, a China responde por cerca de 60% a 70% dos produtos siderúrgicos que entram no país. Mas há importações também de outros países, como Rússia, Egito e Peru. Operando com taxa de ociosidade de 40%, a indústria siderúrgica instalada no país negociou durante meses a adoção de alguma medida de proteção. Em 2023, as importações de aço saltaram 50%, com manutenção da trajetória de crescimento neste ano. No primeiro trimestre, a expansão foi de 25%.

Um dos setores mais vocais no debate ao longo dos últimos meses, e contrário a elevação da alíquota de importação de produtos siderúrgicos para 25%, a indústria de máquinas e equipamentos avalia que o governo buscou equilíbrio na análise da “complexa” situação do setor siderúrgico.

“Reconhecemos a complexidade que envolvia a decisão da Camex/Gecex, em um cenário que envolvia uma pluralidade de setores e situações. O Gecex buscou o equilíbrio e a tecnicidade indispensáveis para que essa decisão fosse a melhor possível para o país e para a competitividade da indústria”, informou a Abimaq, em nota.

A associação disse ainda que entende o momento das siderúrgicas, mas vai monitorar os desdobramentos da aplicação do sistema de cotas e tarifa de 25%. “Foi afirmado durante o debate que não haveria aumentos de preços. Acompanharemos de perto a aplicação das regras e sua repercussão no mercado e nos preços”, apontou.

Para a Associação Brasileira de Embalagens de Aço (Abeaço), a decisão do governo de não elevar as alíquotas de importação de folhas metálicas de aço, usadas em embalagens de alimentos e produtos para a construção civil, é positiva. Segundo a entidade, que representa o setor de latas de aço, a majoração das importações desse tipo de produto teria impactos sobre os preços de alimentos, incluindo itens da cesta básica, como leite em pó.

Conforme a Abeaço, folhas metálicas correspondem a menos de 1% de todo o aço produzido no Brasil e podem, em alguns casos, representar até 25% dos custos de alimentos, citando análise da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).

Em nota, a presidente da entidade, Thais Fagury, disse que a Abeaço levou ao Mdic seus argumentos, além dos dados que mostram que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) seria “a única beneficiada com a elevação da tarifa de importação sobre as folhas metálicas de aço”. “O pleito para os NCMs das folhas de aço para embalagens era exclusivamente da CSN”, aponta a Abeaço.

“A separação do aço destinado para embalagens do conjunto de importações preserva preços e impede impactos na cesta básica de alimentos e em programas como Minha Casa Minha Vida”, afirmou a executiva.

O setor da construção não vê impactos diretos nas cotas para importação de aço, já que os vergalhões, a forma mais usada nas obras, não entraram na medida. Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), afirma que podem haver impactos indiretos, sobre preço de equipamentos, por exemplo, e que qualquer possibilidade de aumento nos custos traz preocupação.

No entanto, ele classifica a medida como “salomônica” (equilibrada), porque a tarifa maior às importações não vai ser posta em prática automaticamente. “Se a média da importação não ultrapassar 30%, as alíquotas são as de hoje, vale a pena testar”, diz.

Eduardo Zaidan, vice-presidente de economia do Sinduscon-SP, sindicato dos construtores paulistas, não vê chance dos vergalhões serem incluídos posteriormente nas novas regras. Os dois representantes das entidades reforçam, ainda, que a construção não é um setor que costuma utilizar muito aço importado, e que, quando isso ocorre, a origem mais comum é a Turquia, e não a China, país que motivou a aplicação das cotas. “O aço produzido na China não é compatível com as normas brasileiras”, explica Correia.

Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 30/04/2024