Gesto político de Trump trará muitas consequências ao agro brasileiro, diz analista
Gesto político de Trump trará muitas consequências ao agro brasileiro, diz analista
Carlos Cogo, consultor especializado em agronegócio, considerou, assim como outros especialistas, que o gesto de Trump ao impor novas tarifas ao Brasil foi um gesto político, não comercial. “A medida ocorre em meio a tensões diplomáticas crescentes, incluindo críticas de Trump à atuação da Justiça brasileira contra Jair Bolsonaro, que ele considera alvo de perseguição, e à decisão do STF que responsabiliza plataformas digitais por conteúdos criminosos”, escreveu em relatório aos clientes.
Donald Trump usou como um dos argumentos "déficits comerciais insustentáveis" contra o seu país. Mas a frieza dos números não corrobora as palavras do presidente americano. “Se considerarmos os 25 anos deste século, o Brasil só teve superávit comercial com os americanos nos primeiros oito, entre 2001 e 2008. A partir de então, são 17 anos consecutivos de saldo negativo nas trocas de mercadorias, incluindo o resultado acumulado em 2025 até agora.”
Cogo também fez um panorama dos setores do agro afetados:
Produtos florestais
Com o acréscimo de 50% no preço final, os produtos florestais brasileiros (como celulose, papel, madeira serrada, painéis de madeira e móveis) se tornam significativamente menos competitivos frente a concorrentes como Canadá, Chile e países europeus. Isso pode provocar perda imediata de contratos, redirecionamento de pedidos e substituição por fornecedores locais ou de países não tarifados. Em 2024, os produtos florestais foram o item agroexportador número 1 do Brasil para os EUA, somando US$ 3,72 bilhões e 4,87 milhões de toneladas exportadas.
“Com a nova tarifa, parte significativa desse volume pode deixar de ser comercializada com os EUA, afetando diretamente a balança comercial e o superávit do agronegócio brasileiro. As empresas exportadoras, especialmente as grandes produtoras de celulose e papel, como Suzano, Klabin e Arauco (com operação no Brasil), podem ter suas margens comprimidas, caso optem por absorver parte do custo extra para manter mercado. Pode haver redução na produção, suspensão de investimentos e replanejamento logístico para outros mercados”, escreveu o analista. “O setor florestal brasileiro é altamente gerador de empregos em regiões como o Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. Com menos demanda externa, há risco de demissões, cortes em contratos com fornecedores e perda de renda em áreas de florestas plantadas.”
Carne bovina
O Brasil representa 60% das importações americanas de carne bovina. O país é o segundo maior importador de carne bovina do Brasil, atrás da China. A produção de carne bovina dos Estados Unidos é de 12,3 milhões de toneladas, mas o consumo doméstico é de 13 milhões de toneladas. O país não é mais autossuficiente no abastecimento de carne bovina, embora seja um dos maiores exportadores globais da commodity.
Cogo lembra que o Brasil já enfrentava uma tarifa de 26,4% sobre a carne bovina que ultrapassa a cota anual de 65 mil toneladas, que é rapidamente esgotada no início do ano. Em 2024, mais de 70% das exportações para os EUA pagaram essa tarifa.
“Ainda não está claro como a nova tarifa adicional de 50% será aplicada — se sobre o excedente da cota ou de forma geral.”
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) classificou como um grave entrave ao comércio internacional a tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre todos os produtos brasileiros, incluindo a carne bovina, a partir de 1º de agosto. A entidade alertou que a medida, anunciada pelo presidente Donald Trump, ameaça à segurança alimentar global e prejudica tanto produtores brasileiros quanto consumidores americanos. A Abiec destacou que a decisão tem motivações geopolíticas e não deve ser usada como barreira ao abastecimento de alimentos, especialmente em um setor que fornece produtos com qualidade, regularidade e preços competitivos.
A associação reiterou sua disposição para o diálogo e busca evitar consequências mais amplas no comércio bilateral. No primeiro semestre de 2025, o Brasil embarcou 181,5 mil toneladas aos EUA, com receita de US$ 1,04 bilhão.
Café
Os EUA são o maior mercado consumidor de café do mundo, com 24 milhões de sacas anuais, e o Brasil é seu principal fornecedor, respondendo por mais de 30% do volume importado. Até então, o cafébrasileiro era taxado em 10%, mesma alíquota de países como Colômbia e Honduras. A nova tarifa ameaça essa relação estratégica e pode encarecer o produto ao consumidor final.
O Cecafé intensificará articulações com a National Coffee Association (NCA) e outros parceiros nos EUA para tentar reverter a decisão, destacando a importância do setor para a economia americana: o cafémovimenta US$ 343 bilhões por ano, representa 1,2% do PIB dos EUA e gera 2,2 milhões de empregos. A expectativa é de que o "bom senso prevaleça" e que as tarifas sejam revistas em favor de uma relação comercial mais equilibrada. Entre janeiro e maio, os EUA foram o principal destino do café brasileiro, com 17,1% das exportações.
Açúcar e etanol
O Brasil representa 75% das importações americanas de etanol. Os EUA são um dos principais destinos do etanol brasileiro, sobretudo em momentos de déficits locais ou em busca de combustíveis mais sustentáveis (como nos estados da Califórnia e Oregon, que têm programas de baixo carbono). Em anos recentes, o Brasil exportou entre 1,5 e 2,1 bilhões de litros de etanol por ano, com os EUA sendo destino regular, especialmente via cotas tarifárias ou vendas spot para a Califórnia.
A tarifa de 50% pode representar um acréscimo de US$ 200 a US$ 250 por mil litros, tornando o etanol brasileiro praticamente não competitivo no mercado americano.
O acréscimo de 50% sobre o preço do açúcar brasileiro tornará o produto significativamente mais caro para os importadores e consumidores americanos. “Isso prejudica a competitividade do açúcarbrasileiro frente a outros fornecedores, como México, Guatemala, União Europeia e Tailândia, que poderão ampliar sua participação no mercado americano”, diz Cogo.
O mercado americano opera com cotas tarifárias para importação de açúcar, baseadas em acordos internacionais (OMC e acordos bilaterais). A tarifa elevada pode inviabilizar a entrada do açúcar brasileiro mesmo dentro dessas cotas, reduzindo o volume exportado e trazendo incertezas para o planejamento das empresas brasileiras, completa.
Suco de laranja
A medida de Trump impacta diretamente um dos segmentos mais relevantes do agronegócio nacional, com o Brasil sendo o maior exportador global e principal fornecedor do produto ao mercado americano há décadas. Segundo a CitrusBR, a nova taxação agrava significativamente os custos de exportação. Atualmente, já se aplica uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada e uma alíquota adicional de 10% (cerca de US$ 308 por tonelada). Com a nova tarifa, o custo pode subir para até US$ 2.260 por tonelada, dependendo da forma de aplicação da alíquota.
Em 2024, o Brasil exportou 1,326 milhão de toneladas de sucos para os EUA, gerando US$ 1,193 bilhão, sendo o suco de laranja o principal item. O setor teme que a medida afete não apenas os exportadores brasileiros, mas também a indústria de sucos dos próprios Estados Unidos, que depende do Brasil como principal fornecedor e emprega milhares de pessoas.
“Além dos impactos econômicos imediatos, a decisão tensiona a agenda diplomática e exige respostas estratégicas para diversificação de mercados e defesa dos interesses do Brasil no comércio internacional. O cenário demanda mobilização coordenada do governo e do setor privado para minimizar os efeitos adversos e buscar alternativas de negociação e cooperação internacional, protegendo a sustentabilidade das cadeias produtivas brasileiras e sua inserção global”, finaliza o analista.
Fonte: Globo Rural
Seção: Agro, Máquinas & Equipamentos
Publicação: 11/07/2025