Das 74 mil empresas de porte médio em atividade no Brasil, em torno de 10,8 mil (14,6%) vendem produtos para o exterior, segundo estimativa da Fundação Dom Cabral (FDC) e estão expostas à reviravolta do mercado provocada pelo aumento de tarifas dos Estados Unidos. Oito em cada dez exportadoras atuam na indústria de transformação, segmento que está entre os mais afetados pelas mudanças decretadas por Donald Trump.
O professor Paulo Roberto Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), identifica três cenários distintos entre os setores mais expostos ao tarifaço. Cadeias agroexportadoras - café, cacau, carnes e pescados - reúnem grandes grupos eficientes que podem transferir embarques para Ásia ou Europa e, se necessário, redirecionar parte da produção ao mercado interno, ajudando a conter preços. Já os setores de têxteis e de móveis, dominados por médias empresas sem escala nem consórcios, ficam encurralados pela tarifa, com risco crescente de cortes de turnos e de receita.
Máquinas configuram um ponto intermediário, avalia o economista. Os fabricantes de equipamentos agrícolas contam com uma grande demanda doméstica e com tecnologia avançada, enquanto os produtores de máquinas industriais tendem a perder espaço num parque fabril que encolhe ano a ano. Ele adverte que, sem corte de custos, simplificação de normas e estímulo a consórcios de exportação, o tarifaço pode acelerar a desindustrialização brasileira e frear investimentos.
Eduardo Menicucci, professor da FDC, fez uma simulação com o caso real de uma produtora paraense de açaí para exemplificar o reflexo do tarifaço em médias exportadoras. Um terço da receita dessa empresa vem das vendas para os EUA. “O impacto no preço final ao consumidor americano seria de 36% e não poderia ser totalmente repassado pelo importador”, diz. “Isso deixa uma margem de manobra muito estreita, já que o crescimento da demanda interna é limitado e não há espaço para conservar toda a produção em câmara fria.”
O pesquisador prevê que alguns setores conseguirão fazer estoques, mas outros, como o moveleiro, terão de desligar a linha de produção voltada para o mercado externo. Quase um terço das vendas internacionais de móveis e colchões e 40% das exportações de matérias-primas, insumos e tecnologias moveleiras se destinam aos consumidores americanos, segundo a Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel). Parte das empresas do segmento já sofre com o cancelamento de pedidos, suspensão de embarques, redução da produção e queda de faturamento por causa do tarifaço decretado por Trump.
A Móveis Serraltense, de São Bento do Sul, por exemplo, concedeu duas semanas de férias coletivas aos 140 funcionários em julho. Em 2024, a companhia exportou 80% de sua produção para os Estados Unidos, mas essa participação caiu para apenas 30% no primeiro semestre de 2025. “A previsão para os próximos três meses é ter uma ociosidade de 40% a 50% na produção”, diz o CEO, Daniel Lutz.
“Pretendemos manter os empregos, talvez com redução de um dia na jornada semanal sem redução de salário, para economizar eletricidade e insumos”, acrescenta o empresário. A Serraltense tem tentado buscar novos mercados na Europa e na América Latina, mas Lutz diz que isso exigirá tempo.
No polo moveleiro de Arapongas (PR), os fabricantes de estofados de couro também já enfrentam problemas. É o caso da Toro Bianco, empresa familiar com cem empregados. Sua diretora Marcela Carandina conta que os embarques previstos para agosto foram cancelados.
A Artemobili, de Nova Prata (RS), exporta quase toda a produção para os EUA. Por causa do cancelamento da maior parte dos pedidos, deu férias coletivas aos 360 empregados. “Isso gera insegurança não só para a nossa empresa, como para toda a comunidade, onde centenas de famílias dependem do setor moveleiro para a sobrevivência”, diz o CEO, Gabriel João Cherubini.
O polo moveleiro de Santa Catarina, maior exportador de móveis do país, tem alta dependência de clientes americanos. Suas 398 empresas, que empregam 7 mil trabalhadores nos municípios de São Bento do Sul, Campo Alegre e Rio Negrinho, exportaram US$ 123,4 milhões no ano passado, o equivalente a 14% das exportações brasileiras do setor. Os Estados Unidos foram o principal destino, absorvendo 62% desse total (US$ 77,1 milhões).
“A nova tarifa tira a competitividade dos móveis brasileiros, abalando um comércio bilateral conquistado pelas nossas empresas com eficiência, competitividade, inovação e sustentabilidade”, afirma o presidente do Sindicato das Indústrias Moveleiras de São Bento do Sul (Sindusmobil), Luiz Carlos Pimentel. Ele apela para a manutenção e o fortalecimento das negociações bilaterais e considera imprescindível a adoção de medidas de apoio à indústria exportadora nacional.
O tarifaço chega em um momento de fragilidade para médias empresas, como mostram dados preliminares do estudo anual Radar de Mercado da FDC, que foram antecipados ao Valor. Entre 2021 e 2024, o número de negócios desse porte que entraram em recuperação judicial mais que dobrou, passando de 197 para 416. A pesquisa, que será divulgada em setembro, analisou os dados de 10,4 mil empresas médias. Em 2024, essas companhias tiveram uma queda de 10% no lucro líquido em comparação com a 2022.
“Se não houver amenização nas tarifas, algumas dessas empresas vão ficar em situação muito fragilizada, principalmente as que têm dívidas”, afirma Menicucci, da FDC. “Entre as que já estão dando férias coletivas, provavelmente o próximo passo será demitir, e não conheço nenhuma média empresa que tenha reserva financeira para isso.”
Falta de planejamento e dificuldade de acesso a capital também são problemas estruturais sérios em uma economia pouco internacionalizada como a do Brasil. Um estudo da FDC realizado em 2023 mostrou que somente 11% das médias empresas têm um nível de maturidade de gestão considerado excelente. “Isso evidencia uma grande lacuna e, ao mesmo tempo, uma enorme oportunidade”, observa o professor Diego Marconatto, também pesquisador da instituição. Ele lembra que somente 13% das médias empresas brasileiras têm subsidiárias no exterior, embora 85% delas atuem no modelo B2B.
O impacto do tarifaço sobre as companhias que não têm presença internacional pode ser pequeno em um primeiro momento, mas, no médio prazo, deve haver um efeito cascata na cadeia de valor, afetando as que fornecem para as grandes exportadoras. “No setor calçadista, a cadeia é bastante dinâmica e a competição, muito forte, o que facilita a substituição mais rápida dos produtos brasileiros por concorrentes de fora”, exemplifica. “É possível que haja demissões nessa e em outras áreas.”
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 05/08/2025
05-08-2025 Indústria e Comércio
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