Veja em gráficos como importação de aço da China prejudica siderúrgicas brasileiras
Desde junho, o aço produzido no Brasil é taxado em 50% quando entra nos Estados Unidos. A situação é preocupante principalmente para aquelas siderúrgicas que dependem do mercado americano, mas outro fator tem incomodado ainda mais as empresas brasileiras do setor: a crescente importação de aço chinês.
O desconforto é tão grande que há algumas semanas o presidente da maior siderúrgica brasileira, a Gerdau, disse em público que a empresareduziria os investimentos no país diante do que chamou de falta de medidas de defesa comercial pelo governo federal. Segundo Gustavo Werneck, a empresa demitiu 1.500 trabalhadores no país, desde o início do ano, diante da pressão de aço importado.
Para dimensionar o tamanho do impacto que essas importações têm gerado às empresas brasileiras, a Folha comparou em gráficos as dinâmicas da crescente compra de aço pelo mercado nacional com as dos lucros, rentabilidade e produção das siderúrgicas instaladas no país. Todos os valores monetários foram corrigidos pela inflação.
Dados compilados pelo Instituto Aço Brasil, que representa as siderúrgicas no país, apontam que as importações de aço pelo mercado brasileiro saltaram de 2,3 milhões de toneladas em 2017 para quase 6 milhões de toneladas em 2024. E o crescimento do mercado brasileiro não acompanhou com a mesma proporção: em 2017, as importações representavam 12% do consumo aparente de aço no Brasil; já no ano passado, 23%.
O salto das importações do mercado brasileiro começou em 2021, quando o setor imobiliário da China, líder na produção de aço, entrou em crise e passou a comprar menos das siderúrgicas chinesas –o que abriu espaço para maiores exportações, incluindo para o Brasil. Desde então, houve queda das importações em 2022 e constante crescimento em 2023 e 2024 –os dados são anuais e, por isso, ainda não foram fechados em 2025.
Ainda que tenha preenchido parte de uma fatia do mercado brasileiro que não existia nos últimos anos, o aço chinês freou a ampliação da produção de aço pelas empresas brasileiras. O Instituto Aço Brasil calcula que as indústrias do país têm hoje 34% de capacidade ociosa, como é chamada a quantidade de aço não produzida por falta de mercado –e não por falta de equipamentos.
Nessa lógica, não faltaria aço para o mercado brasileiro se as importações não tivessem crescido consideravelmente nos últimos quatro anos. Nos cálculos do Instituto Aço Brasil, as empresas brasileiras poderiam fabricar mais 17 milhões de toneladas de aço, o que superaria quase três vezes a quantidade de aço importado (a conta não faz distinção entre os diferentes tipos de aço existentes no mercado).
Os dados, compilados pelo instituto a partir das próprias empresas, mostram que a produção de aço –sobretudo laminado— não teve grandes variações nos últimos anos, o que aponta que o crescimento do mercado brasileiro nos últimos anos não está sendo atendido pelas empresas locais. É esse os tipos de aço mais importado da China.
O aço semiacabado, produzido no Brasil em grande maioria pelas estrangeiras ArcelorMittal e Ternium, são geralmente voltados para o mercado internacional, principalmente americano e mexicano, e por isso estão menos expostos às importações de aço da China. Por outro lado, são os mais afetados pelas tarifas de Donald Trump.
Daniel Sasson, analista de commodities do Itaú BBA, aponta que a importação de aço da China prejudica as siderúrgicas brasileiras não só devido ao volume importado, mas também ao preço que essas mercadorias chegam ao país.
"Houve um crescimento do mercado pós-Covid que acabou sendo servido pelo aço chinês. Mas isso é complicado, porque se quem está preenchendo esse espaço tem um custo mais baixo que o seu, ele acaba impactando o preço do mercado inteiro e da rentabilidade como um todo", afirma Sasson.
De acordo com um relatório divulgado pelo Santander no final de agosto, a tonelada do aço laminado a quente, por exemplo, é vendido pela China por US$ 400 (R$ 2.163) a US$ 500 (R$ 2.704). Já o preço médio deste produto no mercado brasileiro é próximo de R$ 4.000 –a média nacional é jogada pra baixo justamente devido às importações.
Especialistas apontam que os índices de rentabilidade das empresas são os mais importantes para mensurar o impacto das importações chinesas nas siderúrgicas brasileiras.
Dados compilados pela Folha a partir dos balanços das empresas listadas na B3 –Gerdau, Usiminas e CSN— apontam uma enorme queda da margem Ebitda (principal índice do mercado financeiro para calcular a rentabilidade de um negócio) dessas siderúrgicas em comparação com períodos pré-pandemia.
No segundo trimestre de 2018, por exemplo, a Usiminas tinha uma margem de 16% em sua produção brasileira de aço, enquanto hoje é de 5%. Já a CSN tinha margem de 17%, sendo hoje de 11%, e a Gerdau de quase 20% (hoje é de 12%).
A última não separa em seu balanço seus negócios de siderurgia e mineração, mas como a empresa tende a consumir o minério que ela mesmo extrai, o impacto da mineração no negócio é reduzido. Já as duas primeiras têm negócios fortes de mineração, setor que hoje é responsável por elevar as margens das empresas, sobretudo da CSN.
A consultoria McKinsey & Company estima que é necessário uma margem de no mínimo 15% para garantir uma sustentabilidade econômica de longo prazo.
Assim, a situação da Usiminas seria bastante preocupante se não fossem os ápices do mercado entre 2021 e 2022, aponta Daniel Sasson, do Itaú BBA. "A empresa está num momento de geração de Ebitda [indicador financeiro que mede o desempenho operacional de uma empresa, mostrando o lucro antes da dedução de despesas financeiras, impostos e despesas não monetárias como depreciação e amortização] muito fraco e isso tem a ver com algumas coisas: a primeira é que a Usiminas tem 70% de custos dolarizados e a segunda é que o preço no Brasil está baixo, o que tem a ver com a competição do importado", afirma. "Eles estão num momento de geração de caixa realmente desafiador."
A Usiminas emprega 13 mil pessoas; Gerdau, 17 mil, e a CSN, 29 mil.
A ArcelorMittal, estrangeira com maior operação no Brasil, emprega 19 mil pessoas. A empresa, no entanto, não divulga dados financeiros de sua operação no Brasil e se limita apenas a informar a receita que recebe com seus produtos vendidos no país. Já a Ternium, que não concorre com o tipo de aço importado da China, mas é dona da Usiminas, tem 8.000 empregados diretos e indiretos.
De acordo com Jorge Oliveira, presidente da ArcelorMittal Brasil, dona da maior produção de aço no país, a importação de aço chinês neste ano deve fazer com que a rentabilidade da empresa caia em comparação com a do ano passado. "Com o preço da China sendo tão baixo, uma das consequências é a queda de preço no mercado interno e a outra é optar não vender", diz.
Segundo ele, a receita da empresa não caiu em comparação com os níveis pré-pandêmicos devido à ampliação da capacidade nos últimos anos, justamente para acompanhar o crescimento esperado do mercado brasileiro. Mas, agora, ao menos R$ 10 bilhões em investimentos da empresa no Brasil estariam sob risco a depender do nível das importações nos próximos meses. "Quanto mais a importação crescer maior é risco é para a capacidade das empresas", afirma.
DIFICULDADES EM AMPLIAR BARREIRAS
Mesmo com a avalanche de importações e seus impactos diretos, o setor tem tido dificuldades em convencer o governo federal a diminuir a quantidade determinada de aço importado que pode entrar no país sem tarifas. Hoje, o Executivo taxa, na maioria dos casos, em 25% apenas aqueles produtos que sobressaíram uma quantidade prestabelecida.
Uma das justificativas para isso, apontam especialistas com quem a Folha conversou, é o receio do governo em se indispor com a China, maior compradora de commodities fundamentais para a balança comercial do Brasil, como soja e minério de ferro. "Além disso, há um lobby de setores que se beneficiam desse momento de produtos importados, como o setor de maquinários", afirma Sasson.
No ano passado, por exemplo, o presidente executivo da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), José Velloso, chamou de chantagem as queixas das siderúrgicas brasileirasjunto ao governo federal. São grandes compradores de aço ainda os setores automotivo e de construção.
Fonte: Folha de São Paulo
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 09/09/2025